segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Agricultores mobilizados contra a barragem Itapiranga

Ato aconteceu no dia 25, no município de Itapiranga, e contou com a participação de centenas de pessoas

Por Leandro Kempka

Agricultores dos municípios de Pinheirinho do Vale, Vicente Dutra e Caiçara reuniram-se ontem, 25, no município de Itapiranga, com produtores agrícolas catarinenses que residem às margens do rio Uruguai, onde aconteceu um ato contra a construção da barragem Itapiranga, que deve atingir mais de 1,5 mil famílias ribeirinhas.

O ato em defesa dos recursos naturais e das propriedades agrícolas iniciou às 9 horas, com saída da frente do Colégio Agrícola de Itapiranga. A marcha seguiu até o centro da cidade e finalizou às margens do rio Uruguai, onde aconteceu o plantio de árvores nativas.

Na sequência, aconteceu palestra com o professor, mestre em Botânica, doutor em Ecologia e Recursos Naturais, Paulo Brack, que falou sobre os impactos ambientais ocasionados pela construção de hidrelétricas no rio Uruguai.

De acordo com o coordenador regional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Marcelo Leal, um dos objetivos é denunciar o escritório da Eletrosul, instalado em Itapiranga. “O pessoal veio com uma linguagem impositiva e está dizendo que a usina vai ser construída de qualquer forma, em função da liberação para o estudo de viabilidade fornecido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Mas o fato é que a comunidade está resistindo e ainda não existe estudo algum”, explicou.

Leal ainda explica que poucas pessoas sabem qual é o verdadeiro impacto, tanto social como ambiental, que a construção do empreendimento vai ocasionar para a região. “São mais de 1,5 mil famílias que irão sair, o que causará o êxodo rural e o empobrecimento da região”, acrescenta.

Conforme o cronograma inicial do projeto, após a sondagem geográfica, medições hidrométricas, topografia, cadastro socioeconômico e as liberações de licença ambiental, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizaria o leilão para construção do empreendimento em junho de 2008, com previsão para início da obra em junho de 2009 e início da operação em junho de 2013. No entanto, devido às manifestações contra o projeto, nem mesmo os estudos socioeconômicos foram realizados.

De acordo com a assessoria de imprensa da Desenvix S.A., empresa responsável pelo estudo de viabilidade da usina, os trabalhos foram suspensos devido às ameaças que os técnicos da empresa que trabalhavam na região estariam sofrendo.

A continuação dos estudos depende da interferência da Eletrosul, que implantou um escritório no município catarinense de Itapiranga para intermediar as negociações entre a comunidade, prefeituras e MAB.


Dados gerais da barragem Itapiranga

O estudo prevê a implantação da Usina Hidrelétrica Itapiranga, entre os municípios de Itapiranga e Pinheirinho do Vale, com potência instalada prevista de 724,6 megawatts, semelhante à já construída Hidrelétrica Foz do Chapecó, localizada entre Alpestre e Águas de Chapecó.

A represa está prevista para ser construída na altura das localidades de Santa Fé Baixa, em Itapiranga, e Capivara, em Pinheirinho do Vale.

Devem ser alagados 2,8 mil hectares dos municípios catarinenses – Itapiranga, São João do Oeste e Mondaí – e quatro gaúchos – Pinheirinho do Vale, Caiçara, Vicente Dutra e Vista Alegre.

A Usina Hidrelétrica Itapiranga está prevista no Plano de Aceleração do Crescimento do governo federal e o investimento estimado é de R$ 2 bilhões.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O grande roncador quase não grita mais

O grupo de pescadores e barqueiros se preparava para sair pelo rio. Eram um pouco mais do que sete horas e o céu estava encoberto. O objetivo era fazer um trajeto de 75 quilômetros pelo Rio Uruguai, de Iraí até Pinheirinho do Vale. No meio de quase 60 barcos, de variados tamanhos, uma lancha envergava a bandeira argentina em meio as do Rio Grande do Sul, Frederico Westphalen e Brasil. O piloto desta lancha, capaz de levar até 11 pessoas é o argentino Miguel Pazze, que há mais de 20 anos leva turistas do mundo todo para conhecer uma ameaçada maravilha da natureza: o Salto do Yucumã. Para o argentino, o Rio Uruguai já sofre com as alterações que o homem faz ao construir barragens.

- As barragens que já estão funcionando, como Fóz do Chapecó, elas, este ano, modificaram bastante o regime do rio. Eu acredito que não é uma casualidade. Se o rio se mantém mais alto o Salto do Yucumã vai desaparecer. Vai ter uma mudança importante no funcionamento do rio. Já percebemos isso – adverte Miguel, que ganha a vida levando turístas para dentro do desfiladeiro aquático do Salto do Yucumã, uma das sete maravilhas do Rio Grande do Sul e maior salto longitudinal do mundo.

As constantes elevações do nível do Rio Uruguai por conta da liberação de água pelos empreendimentos hidrelétricos são um problema real e imediato. Especificamente sobre Foz do Chapecó, hoje a usina mais próxima do Salto do Yucumã, a situação é conflituosa. Desde o enchimento do lago ano passado que a empresa e o órgão licenciador, o Ibama, são réus de inquérito aberto pelo Ministério Público Federal. O problema principal é o alagemanto do lago ainda com parcela da vegetação no local do lago e a inexistência de canal lateral para que os peixes possam subir o rio, a exemplo do que ocorre na Usina de Foz do Iguaçu.

A fala do barqueiro é um retrato da vida real, longe dos gabinetes de Brasília e Porto Alegre que nos discursos em prol da construção de mais barragens no convalecente Rio Uruguai louvam as hidrelétricas e reduzem os impactos ambientais e sociais dos empreendimentos. Hoje, o Rio Uruguai já está próximo do modelo de uma sucessão de lagos. E as barragens afetam tanto o equilíbrio da biodiversidade quanto o regime das águas e a vida de uma grande população de ribeirinhos. Desta população, aproximadamente 5 mil pessoas, moram no entorno do parque Estadual do Turvo, o mais antigo parque gaúcho e porta de entrada para um corredor de biodiversidade que se estende até quase Fóz do Iguaçu, percorrendo as províncias de Corrientes e Missiones na Argentina. Geograficamente, o Rio Uruguai divide uma grande área binacional de preservação de floresta subdecidual de aproximadamente 80 mil hectares, sendo 17 mil hectares no Brasil e o restante na Argentina, no parque provincial de Moconã. Exatamente no centro desta área encontra-se o Salto do Yucumã (Salto del Moconã em espanhol), a maior queda d'água longitudinal do mundo, com 1,8 quilômetros de extensão.

- Estamos muito preocupados com a questão das barragens que já existem e as que estão em projeto para o Rio Uruguai. Estamos discutindo o turismo, mas a nossa principal atração já está sendo afetada - afirmou Gildo Martens, vereador do município de Derrubadas, onde está a sede do Parque Estadual do Turvo.

A próxima ameaça já está diagnosticada. É o caso do Complexo Hidrelétrico de Garabi. Anunciado em 9 de setembro de 2008 pelos presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner, em Brasília, com previsão de gerar 1,89 MW, o projeto prevê erguer duas usinas no trecho binacional do rio. A ideia é antiga. Em 1972 os dois países fizeram o primeiro tratado. Os estudos foram até 1988. Na década de 90, no entanto, a iniciativa parou por conta da crise econômica e da mobilização dos movimentos sociais contrários ao empreendimento.

O símbolo das ações ambientais contra Garabi era a submersão do Salto do Yucumã e das áreas de preservação ambiental nos dois lados do rio. Os movimentos sociais obtiveram êxito aparente até 2008. Os novos projetos das usinas prometem não inundar o salto, baixando as cotas das barragens, mas ambientalistas dos dois países desconfiam da veracidade dos dados oficiais. Na Argentina, até um plebiscito deverá acontecer para consultar a população sobre a barragem.

No terreiro de chão batido as cadeiras se mesclam a chinelos de borracha em constante arrastar e ajeitar. Os pés são tão inquietos quanto as mão de seus donos. Mão rudes e fortes que quando gesticulam enchem as frases de humor ferino e ênfase. O dançar dos dedos emoldura o trovejar da voz ou o gargalhar da boca. É uma conversa tensa. O cenário é verde e preto. Cachorros guaipecas coçam as pulgas enquanto os homens conversam. O assunto é caro aos cinco homens na casa dos 50 anos: a pesca no Rio Uruguai. Bonés surrados, maços de cigarros e chinelos de borracha acompanham os pescadores da Barra do Turvo, pequena localidade que testemunha o encontro do Rio Turvo com o Rio Uruguai. O dia está quente e úmido. A palavra está com Buda:

- Se isso acontecer a gente está acabado. Acabou os ribeirinhos. Já está cada vez mais difícil pescar. Com as barragens que estão ai, o nível do rio muda uma vez por semana. Com mais uma barragem, acabou.

- Não pode ser. Assim não vai dar mais para viver por aqui – intervêm “Paquinha”.

- Acho que não é isso. Já ouvi falar dessa barragem. Não vai mudar nada aqui. É longe daqui. Não vai afetar – aponta Chico, nome por que é conhecido Aparício Roque de Andrade, 49 anos.

- Mas já tem menos peixe. Cada vez menos. Antes tinha mais, bem mais. Pintado e Surubi, quase não tem mais – retruca Buda.

- Mas agora tá melhorando. Replantaram nas margens a vegetação e tem tido muito mais comida para os peixes – recorda “Paquinha”.

- Mas o problema é quando abrem as comportas da represa lá de cima e vem aquele monte de água que dispersa os peixes tudo. Ai não dá para pescar nada, por uns dois dias – explica Silvio.

O caso exposto pelos pescadores na Barra do Turvo, localidade que situa-se depois do Salto do Yucumã, é compartilhado pelos pescadores de cima do salto. É o caso de Caniel Caxambu, pescador de mais de 20 anos e grande conhecedor do rio.

- Em menos de 12 horas, água que é liberada pelas usinas de lá de cima chegam aqui e inundam o salto do Yucumã. Também desbarrancam o rio, derrubadno árvores e deixando um perigo para navegar por causa dos galhos que ficam boiando. Pescar então, fica muito mais difícil. Os peixes desaparecem - comenta Caxambu, enquanto conduz seu barco de mesmo nome pelo Rio Uruguai.

Não são só os pescadores que estão preocupados. Dispostos a passar para uma cobrança mais efetiva, o prefeito de Derrubadas Almir Josér Bagega encaminhou via Rota do Yucumã um abaixo assinado cobrando explicações sobre problemas que já acontecem hoje em relação a visibilidade do Salto do Yucumã. Bagega alertou que os guardas parque e os moradores Ribeirinhos do Rio Uruguai relatam que em questão de horas o nível do rio sobe, submergindo o Salto do Yucumã.

- Lançamos um abaixo assinado pedindo explicações sobre o impacto que o Salto do Yucumã vem sofrendo com a construções das barragens. O governo federal diz que não há impacto, mas qualquer um pode ver com seus próprios olhos o impacto que ocorre depois que a barragem de Foz do Chapecó começou a funcionar - alertou Bagega.

O presidente da Rota do Yucumã, Osmar Kuhn também cobra das autoridades federais mais rigor no cumprimento da legislação ambiental.

- O que propomos é decidir que ritmo e o desenvolvimento que queremos tomar para nossa região! Porque as obras de barragens podem destruir a natureza? Os pequenos tem um tratamento e os grande outro - desabafa Khun.

A situação dos novos empreendimentos, o tão falado Complexo de Garabi, já produziu um documento denominado“Relatório Final dos Estudos de Inventário Hidroelétrico da Bacia do Rio Uruguai no Trecho Compartilhado entre Argentina e Brasil” executado pelo Consórcio CNEC/ESIN/PROA para EBISA e ELETROBRÁS. O Estudo de Inventário tem como objetivo a determinação do potencial hidroelétrico e da melhor divisão de quedas, através da identificação do conjunto de aproveitamentos que proporcionem um máximo de energia com o menor custo, associado ao menor impacto ambiental. É este documento que estabelece as cotas dos empeendimentos, tamanho dos lagos, potência instalada e impacto ambiental.

Segundo os cálculos divulgados pelo secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético Altino Ventura Filho em uma audiência pública em Santa Rosa “a reserva que abriga o salto terá parte da área alagada, mas seria apenas uma extensão equivalente à que fica sob as águas em períodos de enchente”. A afirmação do secretário demonstra um total desconhecimento do regime do Rio Uruguai e do próprio Salto do Yucumã. Quando está em enchente, situação que cada vez se repete com mais frequência e fora da sazonalidade habitual, o Salto está submerso. Se a mata na margem ficará submersa o Salto também. Além do mais, a diferença entre a cota da barragem (130 metros do nível do mar) e a cota do Salto do Yucumã é de apenas cinco metros. É muito pouco para uma criação da natureza feita a milhões de anos atrás e que facinam as populações do Brasil e Argentina.

Se os planos governamentais forem levados a cabo, o grande roncador não mais vai ecoar seu barulho para os últimos seis exemplares de onça -pintada que ainda habitam o Parque Estadual do Turvo. E nosso filhos conhecerão o local apenas pela lembrança de fotografias e filmes.


Texto: Carlos Dominguez / Da hora
Fotos: Braga