quinta-feira, 14 de março de 2013

Garabi: para quê e para quem?

Autor: Milton César Gerhardt



Membro das Pastorais Sociais da Diocese de Santo Ângelo e do Movimento pela Mobilização Permanente de Defesa do Rio Uruguai

Em meio a notícias de desenvolvimento e progresso, um projeto de mais de trinta anos volta a “assombrar” a população da bacia do rio Uruguai no trecho de fronteira entre o Brasil e a Argentina: a construção das grandes barragens de Garabi e Panambi. O Governo Brasileiro (MME/ Eletrobrás) e Argentino (EBISA) prevêem iniciar as obras em 2012, a um custo de oito bilhões de reais. As barragens inundarão quase cem mil hectares e a estimativa é de que atingirão 12.600 pessoas.

Segundo o professor Dr. Paulo Brack da UFGRS estão sendo desengavetados projetos da década de 70, ou seja, estamos pensando alternativas de produção de energia do século passado, totalmente ultrapassadas para a nossa realidade. “Os projetos das hidrelétricas do rio Uruguai são de 1977, montados em pleno governo militar (tecnoburocracia e autoritarismo). Praticamente quase nada foi alterado desde 34 anos atrás, mesmo considerando-se que a Constituição assegurou um conjunto de garantias para a conservação dos bens ambientais e dos direitos humanos. O Brasil fez acordos importantes na área ambiental, como a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), em 1992, quando da Rio 92 (Eco 92)., a Conferência do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Estes projetos estão na pauta do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).”

Pela proposta atual, que pouco foi alterada, os principais municípios brasileiros atingidos seriam Garruchos, São Nicolau, Porto Xavier, Pirapó, Roque Gonzáles, Tucunduva, Tuparandi, Novo Machado, Doutor Mauricio Cardoso, Criciumal, Tiradentes do Sul, Esperança do Sul, Derrubadas, Alecrim e Porto Mauá, todos no estado do Rio Grande do Sul. A região mais afetada no território argentino será a província de Misiones.

Atualmente, a energia no Brasil é vendida por um valor entre R$ 130,00 e R$ 140,00 por MWh. Portanto se as duas barragens juntas produzirem, em média, 1.100 MWh de energia, terão uma receita de 1,23 bilhões por ano. Isso sem contar os lucros das empreiteiras na construção, a apropriação privada do dinheiro público através do financiamento do BNDES, a apropriação de quase cem mil hectares de terras, e o controle da água na região. Do potencial da região, 12.816 MW (5,1% do potencial nacional), 5.182 MW já são aproveitados.

Nesta região já foram construídas sete grandes hidrelétricas que estão nas mãos de quatro transnacionais – Alcoa (EUA), GDF Suez Tractebel (França), Votorantim e Camargo Correa (brasileiras): são as usinas de Passo Fundo, Itá, Machadinho, Barra Grande, Campos Novos, Monjolinho e Foz do Chapecó. Juntas, as hidrelétricas (5.357 MW de potência) geram por ano 3,2 bilhões de reais. Durante 30 anos que detém a concessão, vão gerar aos seus ‘donos’ nada menos que 95 bilhões de reais.

Porém, quais são as alternativas mais viáveis para nossa região? Segundo o pesquisador do INPE, Dr. Enio B. Pereira, somente a área inundada pela pior represa brasileira, a hidrelétrica de Balbina (AM) poderia gerar energia, via painéis solares fotovoltaicos energia suficiente para suprir o consumo atual de todo o Brasil (80 mil GW). O lago de Itaipu geraria, da mesma forma, o equivalente a metade da energia elétrica usada no País.

Existem ainda outras alternativas, como a energia eólica (200 mil a 300 mil GW), que poderia suprir duas ou três vezes mais a energia gasta em todo o Brasil. A China tem liderado o uso da energia eólica. Atualmente, é o país com maior capacidade instalada de energia eólica do mundo, e possivelmente ultrapassará a meta de instalar 70 GW nos próximos cinco anos (quase o total da energia gasta no Brasil!).

Em boa medida trata-se de vontade política dos governos para apoiar essas iniciativas. Existem matérias-primas renováveis e disponíveis na região, como o bagaço de cana-de-açúcar, a casca de arroz ou o biogás a partir de resíduos vegetais rurais e urbanos.

Como diz o pastor Renato da IECLB, o que será da cultura dos gaúchos, sem a existência futura do rio Uruguai? Vamos querer do rio Uruguai uma escada de alagados com água parada (para não dizer podre), sem vida, para algumas empresas estrangeiras tirarem daqui milhões às nossas custas?

Só para citar um exemplo, o peixe dourado (peixe que identifica o nosso rio) para se reproduzir e conseqüentemente sobreviver, necessita cerca de 100 km de água corrente. O que será do Rio Uruguai sem seu principal peixe? Em outras palavras, queremos decretar a morte do rio Uruguai? Vamos defender nosso rio e aqueles que viveram para cantar suas belezas e sua história na região. No norte do estado, o rio Uruguai se confunde com a história dos missioneiros e do Caminho das Tropas, no rio Pelotas. É uma bela paisagem que está lá há milhares de anos!

quarta-feira, 13 de março de 2013

Cartas entregues a Ministra Miriam Belchior (Plan. Orç. e Gestão) e Governador Tarso


Foi realizada uma manifestação na tarde do dia 12/03, mesmo com chuva, por centenas de pessoas, em grande parte representando a Apedema/RS, Mogdema, Movimento Rio Uruguai Vivo e DAIB-UFRGS, EM DEFESA DE NOSSOS RIOS, na frente do Palácio do Governo do Estado. No momento da manifestação, na rua, foram entregues por representantes das entidades ambientalistas no CDES (Conselhão) as cartas (abaixo) à Ministra Miriam Belchior (Plan. Orç. e Gestão) e para o governador Tarso Genro, que participavam de reunião sobre o PAC com os conselheiros.

Seguem os documentos oficiais entregues, o panfleto (resumo das reivindicações) e a chamada feita, lembrando que dia 14/03 é o Dia Internacional de Luta contra as Barragens, e aqui no RS o MAB estará também com atividades no interior contra Garabi-Panambi.

Seguimos na Luta!
P. Brack


CONTEÚDO DA CARTA!


A sua Excelência a Senhora Ministra Miriam Belchior
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

A sua Excelência o Senhor Governador Tarso Fernando Herz Genro
Governador do Estado do Rio Grande do Sul

Assunto: Manifestação Em Defesa dos Nossos Rios

Senhores

Tendo em vista a aproximação do Dia Internacional de Luta contra o Impacto das Barragens (14/03), a Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS (APEDEMA/RS), o Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MOGDEMA) e o Movimento Rio Uruguai Vivo, entre outros setores da Sociedade Gaúcha, Em Defesa dos Nossos Rios, vimos manifestar a Vossa Excelência nossa profunda discordância quanto à decisão injustificável, no nosso entender, da promoção de projetos de barragens do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que possuem várias irregularidades, no Estado do Rio Grande do Sul.

Constatamos a ausência de elementos sólidos que embasem uma suposta viabilidade econômico-ambiental de muitas das grandes barragens no RS, resultando, portanto, em grave confronto à legislação ambiental vigente no País e no Estado, em múltiplos aspectos, além de danos irreversíveis a grupos sociais, conforme material em anexo.

Na Metade Sul do Estado, as obras contestadas por várias instituições referem-se às megabarragens de irrigação do PAC, Taquarembó e Jaguari, em pleno bioma Pampa. Devido a inúmeras irregularidades, estas obras receberam ações civis públicas por parte de entidades ambientalistas e ações judiciais e inquéritos por parte do Ministério Público. As duas barragens estão causando alto impacto nos rios e desmatamento conjunto acentuado de mais de 1.100 hectares de matas em galeria (quase o único abrigo para fauna do Pampa) e outros milhares de hectares de campos nativos, destinadas a irrigar monoculturas (arroz, eucalipto, etc.) de algumas dezenas de grandes propriedades, com valores de custos das obras praticamente triplicados nos últimos anos.

Na porção Norte do RS, nossa crítica concentra-se na forma de tratamento do tipo “fato consumado”, dispensado pelas diferentes esferas de governo, com relação ao Complexo Binacional de Hidrelétricas Garabi-Panambi e demais obras no rio Pelotas-Uruguai que, mesmo carecendo de estudos de viabilidade e de licenças ambientais, constam como projetos prioritários do PAC. Os empreendimentos binacionais (não licenciados) foram objeto de um decreto recente do governador do Estado, Sr. Tarso Genro, que gerou polêmica pela criação de um questionável Grupo de Trabalho e de um Fórum de promoção dos empreendimentos, não se tendo o cuidado de, no mínimo, deixar de fora – por possibilidade de conflito de interesses – o órgão ambiental estadual (SEMA), o qual deverá participar, em conjunto com o Ibama, do processo de licenciamento do complexo hidrelétrico, após os estudos ambientais (EIA-RIMA) ainda nem iniciados.

Cobramos dos governos, isso sim, que desenvolvam um monitoramento da urgente Situação Socioambiental do Estado do RS e do Brasil, considerada por especialistas como calamitosa, em vez de se empenharem meramente em um monitoramento de Megaempreendimentos de cunho imediatista e com várias irregularidades.

Os rios em várias partes do Brasil, assim como no RS, estão cada vez mais repletos de empreendimentos, fato que vem comprometendo sua dinâmica, diminuindo a oxigenação e a sua biodiversidade. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) dão conta de que 2/3 das obras das hidrelétricas do PAC no Brasil estão sendo implementadas, justamente, em Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (APCBio, Ministério de Meio Ambiente, 2007). Cerca de ¼ destes projetos incidem em áreas do grau mais elevado – de Extrema Importância – para a conservação. A quantidade de empreendimentos é tal que geraria, em menos de uma década, o deslocamento compulsório (expulsão) de mais de 150 mil pessoas, entre as quais indígenas e seus respectivos povos também afetados, e o desaparecimento da maior parte dos trechos livres dos rios brasileiros.

Constata-se o desaparecimento de peixes nativos que dependem da piracema – também fundamentais para os ribeirinhos – como o dourado, o surubim e o grumatã. Por outro lado, lembramos também do estabelecimento de uma infraestrutura de incremento às commodities que gera baixo valor agregado, trazendo comprometimento não só da qualidade da água, mas também do ar, do solo e do ambiente como um todo. No caso das hidrelétricas, cerca de três vezes a energia potencialmente gerada por Belo Monte vai para a exportação de minério de ferro, alumínio, cimento, etc. No que toca à irrigação, as monoculturas agrícolas de exportação, que consomem cada vez mais água e utilizam a maior quantidade de agrotóxicos de todo o Planeta, são o motor de uma economia reprimarizada que, além de contrapor totalmente à biodiversidade, desindustrializa os manufaturados do país.

Somos de um Estado que se orgulha por ter sediado pela primeira vez o Fórum Social Mundial, há pouco mais de 10 anos, onde se inaugurou m contraponto importante à lógica do Mercado Globalizado e concentrador, por meio do lema unificador dos movimentos internacionalistas chamado “Um Outro Mundo é Possível”. O Brasil não precisa tanto de hidrelétricas, pois tem um potencial de 300 GW de energia eólica, sendo que menos de 1% desta quantidade tem aproveitamento, sem falar na energia solar e biomassa diversificada, estas três fontes negligenciadas. A irrigação deveria, prioritariamente, ser voltada para a agricultura familiar, que produz 2/3 dos alimentos dos brasileiros, impedindo-se assim a destruição de rios para grandes obras que favorecem algumas grandes propriedades e gigantescas empresas que vivem das monoculturas agrícolas de exportação.

Clamamos aos governos por uma reflexão necessária e uma mudança na forma de elaboração dos projetos de infraestrutura do PAC, para que se superem as premissas tecnocráticas e autoritárias que lembram aquelas montadas em pleno governo militar, na década de 1970. Da mesma forma, questionamos a ênfase exagerada no carro-chefe do “crescimento econômico”, e numa visão imediatista e desumanizante que continua a aprofundar a destruição dos recursos naturais no País e neste Planeta Finito.

Desejamos mais consideração com as características locais diferenciadas (sociobiodiversidade), diálogo com as comunidades, obras de menor porte, portanto, que incrementem, portanto, a agrobiodiversidade, de forma mais sustentável do ponto de vista ambiental. Cobramos o cumprimento da criação do Corredor Ecológico do rio Pelotas-Aparados da Serra, no rio Pelotas, congelado pelo governo federal, que o condiciona à liberação da hidrelétrica de Pai Querê, a 5ª em série num mesmo rio, e que destruiria com 4 mil hectares de floresta com araucária, formação florestal reduzida a 5% de sua área no País.

O movimento ambientalista gaúcho vem, há anos, apelando para o diálogo com os governos, apesar de várias tentativas infrutíferas. Entre os temas elementares e prioritários reivindicados com urgência para o debate estão o imperativo de avaliações ambientais estratégicas nas bacias brasileiras e a realização de estudos decapacidade de suporte das bacias e dos ecossistemas fluviais frente ao conjunto crescente de barragens. Também, não podem ficar de fora os estudos, não realizados, sobre a alta possibilidade de extinção de espécies de peixes e outros organismos devido a tantos e tamanhos empreendimentos em nossos rios, o que contraria a Constituição Federal. Exigimos, ademais, o cumprimento da legislação ambiental, no que toca à Resolução Conama 01/1986, que estabelece a obrigatoriedade de avaliações (consistentes) de alternativas locacionais, de dimensão de empreendimentos e de tecnologias.

Da mesma forma, chamamos o Ministério do Meio Ambiente, em especial o IBAMA, para sua função precípua, não mais se curvando à lógica política da chancela prévia de licenças às obras de interesse do próprio governo. Queremos o respeito ao corpo técnico do quadro, ao subsídio para a decisão correta quando do licenciamento, e que o MMA dê sequência à urgente definição da proteção das Áreas Prioritárias (ACPBio, MMA, 2007), garantindo as Áreas Livres de Barramentos, de acordo com demandas balizadas por estudos recentes de especialistas na Biologia da Conservação.

No aguardo de Vossas providências,

Respeitosamente

Edi Fonseca, Maria da Conceição e Carrion Ismael Brack
Coord. Apedema-RS Coord. MoGDeMA Movimento Rio Uruguai Vivo




segunda-feira, 11 de março de 2013

Manifestação Em Defesa dos Nossos Rios, dia 12/03, em POA



Tendo em vista a aproximação do Dia Internacional de Luta contra o Impacto das Grandes Barragens (14/03), entidades e movimentos ambientalistas, incluindo grupos de estudantes, decidiram esta semana, em reunião realizada na sede do InGá, que realizarão uma manifestação em Defesa dos Nossos Rios e contra as barragens do PAC no Rio Grande do Sul. A atividade ocorrerá em frente do Palácio Piratini, no dia 12 de março (terça-feira) a partir das 13h30min.

O movimento pretende manifestar-se contestando as grandes barragens de irrigação e hidrelétricas que vêm causando inúmeros impactos ambientais, sendo seguidas de incontáveis irregularidades no licenciamento ambiental. Apesar disso, estas obras do PAC estão recebendo atenção especial dos governos federal e estadual para a instalação de um monitoramento articulado no RS, para seu “destravamento” e “aceleração”.O evento aproveitará que a Ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão, Miriam Belchior, vem à capital gaúcha para participar da reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES-RS), presidida pelo governador Tarso Genro, ocasião que divulgará aos conselheiros os investimentos federais das obras PAC no RS.



Os ambientalistas contestam, mais uma vez, a forma da elaboração dos projetos de infraestrutura, geralmente visando os interesses mais imediatistas de alguns setores econômicos, semelhante à maneira autoritária daqueles montados em pleno governo militar, na década de 70. Assim, não são levadas em consideração as características locais diferenciadas (sociobiodiversidade), com frequente atropelo tecnocrático e falta de diálogo com as comunidades, fomentados pela apologia pró-grandes obras, como ocorria no século passado. Essas, geralmente, carecem de estudos de viabilidade ambiental, recorrentemente trazem grandes impactos prejudiciais à natureza, às populações e ao erário público, pelo desvio e superfaturamento de recursos levado a cabo por grandes empreiteiras responsáveis pela construção de empreendimentos que recebem recursos públicos de programas considerados prioritários, como o PAC.

Cobram, em contraponto, o Monitoramento da situação socioambiental do Estado do RS e do Brasil, considerada calamitosa pelo setor ambientalista. Para isso, argumentam que os rios estão cada vez mais crivados de empreendimentos e que 2/3 das obras das hidrelétricas do PAC no Brasil estão sendo implementadas justamente em Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (APCBio, MMA, 2007), ¼ em áreas caracterizadas no grau mais elevado – de Extrema Importância – com o deslocamento compulsório de mais de 150 mil pessoas, em parte povos indígenas, com desaparecimento de peixes nativos de piracema, importantes para os ribeirinhos, como o dourado, o surubim e o grumatã. Por outro lado, lembram também do comprometimento da qualidade da água, ar e solo pela agricultura empresarial brasileira de exportação, que consome enorme caudal de água e utiliza a maior quantidade de agrotóxicos de todo o Planeta, sem falar na consequência sobre os rios poluídos que agonizam, como o Sinos e o Gravataí, praticamente sem programas consistentes de reversão de suas situações críticas.

Entre as obras contestadas estão as megabarragens de irrigação do PAC Taquarembó e Jaguari, em pleno bioma Pampa, que receberam ações civis públicas por parte de entidades ambientalistas e ações judiciais e inquéritos por parte do Ministério Público, devido a inúmeras irregularidades. As duas barragens causarão o desmatamento conjunto de mais de 1.100 hectares de matas em galeria e outros milhares de hectares de campos nativos, destinadas a irrigar monoculturas (arroz, eucalipto, etc.) de algumas dezenas de grandes propriedades, com valores triplicados. Outra grande crítica dos ambientalistas é a forma de tratamento “fato consumado” do Complexo Binacional das Hidrelétricas Garabi-Panambi que, mesmo carecendo de estudos de viabilidade e de licenças ambientais, recebeu no final de 2012 um decreto do governador do Estado promovendo a criação de um Grupo de Trabalho e um Fórum Estadual de promoção da implementação destes projetos, incluindo o órgão ambiental que, além do Ibama, participa da emissão das licenças após os estudos ambientais (EIA-RIMA) ainda nem realizados.

O movimento ambientalista gaúcho vem, há anos, apelando para o diálogo com os governos, apesar das tentativas frustradas por promessas evasivas e forma dissimulada por parte de seus agentes. Entre os temas prioritários reivindicados para o debate estão o frequente desrespeito à legislação ambiental, a ausência de estudos de capacidade de suporte das bacias e dos ecossistemas fluviais frente ao conjunto crescente de barragens, e extinção de espécies, a proteção necessária das ACPBio (MMA, 2007), bem como uma discussão franca sobre os temas do chamado crescimento econômico e desenvolvimento, que respeitem as vocações locais e a biodiversidade. O que também é altamente preocupante aos ambientalistas é que essas obras são recheadas de recursos vultosos, e levadas a cabo por grandes empreiteiras (algumas concessionárias) financiadoras de milionárias campanhas eleitorais e que, ademais, recebem recursos facilitados do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), fato que depõe ainda mais contra o processo democrático.

Movimento Rio Uruguai Vivo, Apedema-RS, Mogdema, DAIB/UFRGS

Salto do Yucumã corre risco de desaparecer

Barragens também prejudicariam vida no rio Uruguai


Reportagem de Capa do Correio do Povo deste domingo (10/03/13)


Eletrobrás garante que queda de água não vai sumir
Crédito: Telmo Rosa Lopes / Especial / CP


A construção de hidrelétricas ao longo do rio Uruguai está mudando a vida às margens do manancial. Segundo o professor do departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Paulo Brack, um estudo da Unipampa levanta a impossibilidade de o rio sustentar, do ponto de vista ambiental, todas as hidrelétricas planejadas. Além disso, ele contesta a capacidade de geração de energia do Uruguai. “O caudal de água para geração já não é tanto assim. Nestes verões, pelo segundo ano, as hidrelétricas de Foz de Chapecó, Itá, Machadinho e Barra Grande ficaram com seus reservatórios em níveis críticos, durante várias semanas, sem gerar um MW de energia", argumentou.

O pescador profissional Walmor Machado Pereira, que reside há 25 anos na localidade de Remanso, no município de Barra do Guarita, afirma que o rio mudou muito de uns 10 anos para cá e que não dá para pescar de forma tranquila. “De repente a água sobe muito, mesmo que não tenha chovido, e leva embora as redes.” Segundo ele, as margens do rio estão desaparecendo. “Isso aqui é minha vida, mas a situação mudou muito e os moradores em geral estão descontentes.” Outros pescadores que conversaram com a reportagem do Correio do Povo, mas não quiseram se identificar, mostram grande revolta com a situação. “Onde estão as autoridades que nada fazem para reverter essa situação?”, indaga um morador que há 40 anos vive na margem do Uruguai.

Outra questão levantada pela população e autoridades da região é a possibilidade de prejuízos ao Salto do Yucumã, localizado no Parque do Turvo, em Derrubadas. Considerado o maior salto d’água longitudinal do mundo, a queda tem 1,8 quilômetro. Em maio de 2011, em audiência pública em Santo Ângelo, o superintendente de Geração da Eletrobras, Sidney Lago, explicou o histórico do projeto e o Estudo do Inventário do rio Uruguai no Trecho Compartilhado com Argentina e Brasil. Na ocasião, ele garantiu que o Salto de Yucumã será preservado. Porém, representantes da região afirmam que a construção de hidrelétricas já afeta o Parque do Turvo e a queda d’água. “A construção de megaempreendimentos hidrelétricos no rio Uruguai está afetando o meio ambiente e coloca em risco a beleza e a vida do Salto de Yucumã”, diz o presidente do Consórcio Municipal de Turismo Rota do Yucumã e também prefeito de Derrubadas, Almir Bagega. Ele afirma que já há mudança significativa no rio, a partir do funcionamento das hidrelétricas instaladas. O prefeito disse que ocorre a retenção de água nos reservatórios das usinas e, quando menos se espera, as comportas são abertas, o que alteraria a vida do rio, prejudicando o meio ambiente e a sobrevivência dos pescadores.

Segundo o prefeito, neste período de pouca chuva, os turistas chegam para apreciar a queda de água. “No entanto, percebemos que o nível do rio fica elevado, em razão da abertura sem controle das comportas.” Bagega ressalta que os 33 prefeitos de municípios que fazem parte do Consórcio Rota do Yucumã são a favor da geração de energia, mas não admitem destruir matas e rios de forma indiscriminada. “Parece que o poder econômico fala mais alto e não se leva em conta o meio ambiente e os milhares de moradores que vivem nas margens do rio, locais onde construíram sua história.”

Conforme o professor Brack, que também é membro do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), com a hidrelétrica Panambi prevê-se a perda de mais de 1,7 mil hectares de floresta do Parque Estadual do Turvo. “No que toca ao rio, o desastre seria talvez maior ainda, pois o ecossistema lótico (de cursos d’água) com corredeiras — neste caso com ênfase ao Salto do Yucumã — sumiria, levando para sempre a presença das reduzidas populações remanescentes de peixes como dourado, surubim e grumatã, os quais necessitam das corredeiras para sua piracema.” Brack explica que as águas semi-paradas também são propícias a invasões biológicas (mexilhão-dourado, bagre-africano, etc) e disseminação de doenças por mosquitos e caracóis (febre-amarela, leishmaniose, doença-de-Chagas, etc). A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a Casa Civil do Estado não se manifestaram até o fechamento desta edição sobre a posição do governo do Estado em relação às hidrelétricas e barragens.


Movimento dos Atingidos por Barragens teme impactos de usina

Uma representação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) atua no município de Porto Mauá buscando conscientizar a população sobre as consequências da construção das barragens. Os dois maiores envolvidos são a empresária Loni Elisa Dei Ricardi e o músico Alir Valentim da Rocha, que realizam cursos de formação de lideranças para sensibilizar os moradores das localidades atingidas.

Eles temem que grandes festas regionais como a de Nossa Senhora dos Navegantes, o Festival do Cascudo e a Expomauá sejam descaracterizadas com um novo cenário construído após a instalação da hidrelétrica Panambi, no rio Uruguai. Na avaliação deles, os balneários que abrigam centenas de turistas no verão e a Trilha Ecológica de Três Bocas — que existe desde 1998 e já foi premiada em nível nacional como projeto turístico — correriam risco de desaparecer.

O Movimento dos Atingidos por Barragens em Porto Mauá questiona a legislação, pois, de acordo com o movimento, a mesma lei que proíbe a pesca dos habitantes do local, a plantação de lavouras e a construção de residências em área de preservação permanente permite a destruição destas áreas e a morte de dezenas de espécies de animais e plantas com um único projeto.

Loni entende que não se pode expulsar as pessoas de suas moradias e terras pelo “chamado desenvolvimento”. Ela destaca que a construção da barragem Panambi deverá trazer também impactos ao comércio, ao clima e à saúde da população local. “Tem moradores que já sofrem com depressão, pois não sabem o que será do futuro de suas residências”, conta a empresária.

Nascida em Porto Mauá, Loni possui uma agência de turismo na cidade. No local, distribui fôlderes e informativos contra as barragens, alguns produzidos pelo MAB Brasil. “Tem pessoas que dizem que minha empresa teria ainda mais sucesso com a barragem, intensificando o turismo. Porém, minha preocupação é com a natureza, com o povo de Porto Mauá e a nossa história”, ressalta a moradora.

Com informações dos repórteres Agostinho Piovesan, Felipe Dorneles e Maria Dal Canton Piovesan