segunda-feira, 4 de abril de 2011

OS DIREITOS DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS*

Ao centro da foto James Cameron, Diretor do filme Avatar, participando de ato público em defesa dos direitos dos atingidos organizado pelo MAB, em setembro de 2010, em Brasília. (Foto de: Leandro Silva)


Em 30 de março de 2006 o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), após diversas denúncias sobre desrespeito aos direitos dos atingidos por barragens e de criminalização dos defensores dos direitos humanos, encaminhadas pelo MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), determinou a criação de uma Comissão Especial para estudar essas denúncias. O CDDPH é um orgão do Estado brasileiro, equivalente a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) e a Comissão de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).

O conselho tem competência para promover inquéritos, investigações e estudos, bem como, receber representações sobre denúncias de violação dos direitos da pessoa humana, apurar sua procedência e tomar as providências cabíveis, sempre tomando como referência as leis e normas estabelecidas em nossa Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

A Comissão Especial “Atingidos por Barragens” foi efetivamente instituida pela Resolução CDDPH Número 26, de agosto de 2006. Em seu trabalho a comissão recebeu denúncias de violação de direitos em 74 projetos de barragens e selecionou sete casos para estudo específico, contemplando as cinco regiões do país. Entre os anos 2006 e 2010 a comissão especial realizou amplo processo de coleta de informações, ouvindo todas as partes envolvidas e realizando visitas de campo e estudo de diversos documentos.

Em uma de suas principais conclusões o texto é categórico ao afirmar que “os estudos de caso permitiram concluir que O PADRÃO VIGENTE de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS, cujas conseqüências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”. A íntegra dos relatórios desses estudos pode ser acessada em: http://www.direitoshumanos.gov.br/conselho/pessoa_humana/relatorios

Ou seja, um estudo oficial, conduzido pelo Estado, constata que existe um padrão, uma regra geral, nos processos de construção de barragens. Essa regra é o desrespeito aos direitos das famílias e comunidades atingidas. Foi constatado que são 16 os direitos violados. Entre eles, destacamos os seguintes: direito de acesso à justiça e a razoável duração do processo judicial; direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados; direito à plena reparação das perdas.

Ainda que sejam 16 no total, somente com esses três exemplos, em se mantendo o padrão apontado pelo estudo, podemos antever o que ocorrerá em nossa região, caso prevaleça o atual estado de passividade e conformismo. Não haverá acesso adequado a justiça, não haverá negociação justa e não haverá plena reparação das perdas.

Alguns poderiam afirmar que isso é exagero e alarmismo. O fundamental, nesse caso, onde não podem permanecer dúvidas, é que a regra existente nos processos de construção de barragens é a da violação e desrespeito aos direitos dos atingidos. Essa não é uma afirmação minha, é uma constatação do Estado brasileiro! Certamente exagerado tem sido o desrespeito às famílias e às comunidades camponesas que vem ocorrendo no Brasil, de norte a sul, nos processos de construção de barragens.

Diante disso cabem algumas questões: será que esse padrão de desrespeito será mantido na construção das barragens na região Celeiro e Missões? Quais serão os direitos dos atingidos efetivamente respeitados? Quais serão os violados? Serão os mesmos 16? Talvez menos, ou mais? Sinistra banca de apostas!

Já existem alguns indícios preocupantes, que nos permitem vislumbrar como será o tratamento dispensado ao conjunto dos atingidos pelas barragens de Garabi e Panambi. Um dos direitos sistematicamente desrespeitados, segundo o estudo mencionado, é o direito a informação e a participação.

Pergunto: em quais bibliotecas públicas da região estão os 23 volumes de papel com o conjunto dos estudos realizados pela ELETROBRAS/EBISA sobre o potencial e viabilidade das barragens no Rio Uruguai? Foram produzidos resumos e sínteses desses materiais para a informação da população? Quantas reuniões informativas e de discussão foram feitas com as comunidades e famílias atingidas?

Parece que não começamos muito bem, pois aí está o primeiro direito desrespeitado, o direito a informação e a participação. Certamente, se não houver reação e organização das famílias e comunidades atingidas, logo saberemos qual será o segundo, terceiro, quarto, (...) de seus direitos desrespeitados. Será que chegaremos aos 16?

*Vanderlei Franck Thies

BARRAGENS NO RIO URUGUAI*

A questão energética tem ocupado amplos espaços nas pautas sociais nesse último período. Sem dúvida o tema da energia é estratégico e ocupa espaço privilegiado em qualquer debate mais consistente sobre desenvolvimento. Em nossa região, recentemente houveram fortes movimentações em torno do tema dos biocombustíveis e mais recentemente inicia-se, ou urge iniciar, uma discussão mais ampla sobre a instalação de mega represas no Rio Uruguai e suas implicações.

O tema das represas no Rio Uruguai, em seu trecho compartilhado entre Brasil e Argentina, tem sido tratado pelos governos nacionais desses países como uma das pautas prioritárias. Nas instâncias governamentais nacionais amplos estudos estão em curso, sobre a viabilidade dessas obras, porém em nível regional impera a desinformação e a impossibilidade da participação nas discussões relacionadas a configuração e às implicações destes projetos.

Sabe-se que o mapeamento do potencial hidrelétrico da Bacia do Rio Uruguai foi iniciado nos anos de 1960 e 1970. Naquele período, apontava-se a possibilidade de instalação de 25 grandes represas, sendo três delas bi nacionais (Roncador, Garabi e São Pedro). Atualmente as estatais ELETROBRAS (Brasil) e a EBISA (Argentina) realizaram a atualização dos estudos desse potencial, por meio de um novo Inventário Hidrelétrico.

Nessa fase de inventário foram supostas e estudadas diversas possibilidades de localização e de tamanhos de barragens. Depois essas alternativas foram comparadas entre si, com objetivo de verificar as mais viáveis, considerando custos de implantação, benefícios energéticos e impactos socioambientais. Para o desenho dessas distintas alternativas foram utilizados dados secundários, complementados com alguns estudos de campo, considerando informações cartográficas, hidrometeorológicas, energéticas, geológicas e geotécnicas, socioambientais e de possibilidades de uso da água. O estudo compreendeu um trajeto de aproximadamente 725 km do Rio Uruguai, que vai da foz do Rio Peperí-Guaçu até a foz do Rio Quaraí.

Segundo informações fornecidas pela ELETROBRÁS/EBISA, em novembro de 2010, de 24 alternativas estudadas preliminarmente, foram selecionadas duas possibilidades de obras, sendo GARABI, que ficaria a aproximadamente a 6 km rio abaixo da cidade de Garruchos, com nível máximo de água de 89m em relação ao nível do mar e também PANAMBI, a aproximadamente 10 km rio acima de Porto Vera Cruz, com nível de 130m. Juntos, os lagos dessas represas inundariam 96.960 ha e a construção de ambas representaria um custo superior a 5,2 bilhões de dólares. Trata-se portanto de obras gigantescas.

Diante desse quadro muitas perguntas podem e devem ser feitas. Muitas perguntas precisam ser respondidas sobre os impactos econômicos, ambientais e sociais dessas mega obras, como por exemplo: quais os parâmetros e critérios utilizados para a seleção dessas alternativas? E, principalmente, porque é negado às comunidades a possibilidade de opinar nesse processo? Do ponto de vista técnico, possivelmente um tecno-burocrata responderia, preconceituosamente, que se trata de questões técnicas complexas, que as comunidades não teriam condições de compreender, subestimando a inteligência local e tratando-nos como idiotas. Do ponto de vista político, responderiam que as comunidades serão consultadas posteriormente, em outra etapa. Quando, antes de fechar a represa e formar o lago? Depois que as questões centrais estiverem decididas? Que sentido teria, nesse caso, participar apenas para referendar as questões estruturais e poder decidir apenas sobre os detalhes?

Poderiam argumentar que sem energia ninguém vive, uma obviedade que apenas na aparência poderia assumir contornos de argumento irrefutável em favor das barragens. Muitas outras justificativas, como a de que essa é a contribuição da região para o desenvolvimento nacional poderiam ser invocados. Aí sim, nos aproximamos de questões que são preliminares e fundamentais.

Mais do que localização e tamanho, parece-me que precisamos discutir a perspectiva do desenvolvimento que pretendemos e diante disso como essas barragens se inserem, ou não, no contexto regional e nacional.

Precisamos discutir o modelo energético brasileiro, energia para que, para quem e a que custo. Precisamos discutir uma proposta de desenvolvimento para a região missões e celeiro e nesse momento isso implica discutirmos também o modelo energético. Mas isso é tema para outro texto e é preciso espaços e possibilidades para aprofundar esses temas. Seguiremos nas próximas edições.

*Vanderlei Franck Thies

Engenheiro Agrônomo, especialista em Sociologia e em Economia Política. Atualmente é mestrando em Políticas Sociais na Universidade Nacional de Misiones – Argentina e Assessor de Projetos no Sul do Brasil e Norte da Argentina da Heifer Internacional. Email: vftc2@hotmail.com