quarta-feira, 27 de junho de 2012

As Veias Secas da Amazônia

Enquanto os imponentes rios da Amazônia são ocupados por usinas hidrelétricas e tornam o Brasil a "Potência Energética do século 21", o impacto dessas obras nas populações locais continua a ser ignorado

por FELIPE MILANEZ  - Revista Rolling Stones, junho 2012

Às margens do Rio Tapajós, em Itaituba (PA), um encontro de grupos sociais discute os impactos da construção da primeira de cinco hidrelétricas na região. Felício Pontes está com a palavra. Procurador Federal do Pará e atuante em defesa de populações atingidas por usinas, ele aponta no mapa a cachoeira Sete Quedas, um dos locais da construção da usina no rio Teles Pires, formador do rio Tapajós.

“É o local de procriação dos peixes”, Pontes explica, tentando provar que as usinas na Amazônia não são necessárias para o desenvolvimento do país, enumerando formas de desperdícios e energias alternativas. “Sou ruim de matemática, mas é só fazer as contas.”

Em seguida, Kubatiapã (nome indígena de Tiago Munduruku), cacique do povo mundurucu, pede para contar o pesadelo que teve na noite anterior.

“Estávamos andando, um bocado de pessoas. Pintados. Com arco e flecha nas costas, na direção do poente. Num momento vem um avião, passando pertinho. E de uma estrada, para um carro, e eles começam a atirar. O avião metralha. Eu estava com a arma, o arco na mão, que virou uma espingarda 22. O jato começou a atirar contra o povo, na direção dos mais fracos. Gritei para todo mundo entrar no mato. Era como pingo d’agua caindo do céu. Eram projéteis, balas. Nos escondemos, e fomos para essa cachoeira sagrada. Lá é um lugar protegido. Ali está a história”, diz. “Se acontecer a hidrelétrica, o rio Tapajós tem história indígena. Vão acabar com o rio. Vão acabar.”

De acordo com informações do Ministério Público e da organização International Rivers, o governo federal planeja construir três usinas no rio Tapajós, quatro no Jamanxim (um afluente) e seis barragens para o Teles Pires, que, juntamente como o Juruena, forma o Tapajós. Para a bacia toda, que inclui ainda o rio Apiacás, o plano é levantar um total de 16 barragens, que impactariam mais de dez mil indígenas que vivem às margens desses rios.

O pesadelo do genocídio indígena sonhado por Kubatiapã talvez não seja uma fantasia. No encontro, ocorrido em maio, o cacique debateu com lideranças dos movimentos sociais do rio Madeira, como Iremar Antônio Ferreira, do Instituto Madeira Vivo, e Antônia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo. O objetivo é construir uma “aliança pelos quatro rios”, envolvendo Madeira, Xingu, Tapajós e Teles Pires. Jesielita Roma Gouveia, coordenadora do fórum social dos movimentos da BR-163, estrada que está sendo asfaltada e trará impactos à região, foi escolhida para ser a coordenadora do movimento Tapajós Vivo.

“Itaituba cresceu desordenadamente desde a época do garimpo”, reclama Jesielita. “Depois, vieram as madeireiras, e agora os projetos de rodovia, hidrovia, complexos hidrelétricos e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) que estão no PAC 2, da presidente Dilma. O governo não conhece nossa realidade. Não estamos preparados para receber um projeto desse porte. A gente está sofrendo muito.”

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