quinta-feira, 14 de março de 2013

Garabi: para quê e para quem?

Autor: Milton César Gerhardt



Membro das Pastorais Sociais da Diocese de Santo Ângelo e do Movimento pela Mobilização Permanente de Defesa do Rio Uruguai

Em meio a notícias de desenvolvimento e progresso, um projeto de mais de trinta anos volta a “assombrar” a população da bacia do rio Uruguai no trecho de fronteira entre o Brasil e a Argentina: a construção das grandes barragens de Garabi e Panambi. O Governo Brasileiro (MME/ Eletrobrás) e Argentino (EBISA) prevêem iniciar as obras em 2012, a um custo de oito bilhões de reais. As barragens inundarão quase cem mil hectares e a estimativa é de que atingirão 12.600 pessoas.

Segundo o professor Dr. Paulo Brack da UFGRS estão sendo desengavetados projetos da década de 70, ou seja, estamos pensando alternativas de produção de energia do século passado, totalmente ultrapassadas para a nossa realidade. “Os projetos das hidrelétricas do rio Uruguai são de 1977, montados em pleno governo militar (tecnoburocracia e autoritarismo). Praticamente quase nada foi alterado desde 34 anos atrás, mesmo considerando-se que a Constituição assegurou um conjunto de garantias para a conservação dos bens ambientais e dos direitos humanos. O Brasil fez acordos importantes na área ambiental, como a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), em 1992, quando da Rio 92 (Eco 92)., a Conferência do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Estes projetos estão na pauta do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).”

Pela proposta atual, que pouco foi alterada, os principais municípios brasileiros atingidos seriam Garruchos, São Nicolau, Porto Xavier, Pirapó, Roque Gonzáles, Tucunduva, Tuparandi, Novo Machado, Doutor Mauricio Cardoso, Criciumal, Tiradentes do Sul, Esperança do Sul, Derrubadas, Alecrim e Porto Mauá, todos no estado do Rio Grande do Sul. A região mais afetada no território argentino será a província de Misiones.

Atualmente, a energia no Brasil é vendida por um valor entre R$ 130,00 e R$ 140,00 por MWh. Portanto se as duas barragens juntas produzirem, em média, 1.100 MWh de energia, terão uma receita de 1,23 bilhões por ano. Isso sem contar os lucros das empreiteiras na construção, a apropriação privada do dinheiro público através do financiamento do BNDES, a apropriação de quase cem mil hectares de terras, e o controle da água na região. Do potencial da região, 12.816 MW (5,1% do potencial nacional), 5.182 MW já são aproveitados.

Nesta região já foram construídas sete grandes hidrelétricas que estão nas mãos de quatro transnacionais – Alcoa (EUA), GDF Suez Tractebel (França), Votorantim e Camargo Correa (brasileiras): são as usinas de Passo Fundo, Itá, Machadinho, Barra Grande, Campos Novos, Monjolinho e Foz do Chapecó. Juntas, as hidrelétricas (5.357 MW de potência) geram por ano 3,2 bilhões de reais. Durante 30 anos que detém a concessão, vão gerar aos seus ‘donos’ nada menos que 95 bilhões de reais.

Porém, quais são as alternativas mais viáveis para nossa região? Segundo o pesquisador do INPE, Dr. Enio B. Pereira, somente a área inundada pela pior represa brasileira, a hidrelétrica de Balbina (AM) poderia gerar energia, via painéis solares fotovoltaicos energia suficiente para suprir o consumo atual de todo o Brasil (80 mil GW). O lago de Itaipu geraria, da mesma forma, o equivalente a metade da energia elétrica usada no País.

Existem ainda outras alternativas, como a energia eólica (200 mil a 300 mil GW), que poderia suprir duas ou três vezes mais a energia gasta em todo o Brasil. A China tem liderado o uso da energia eólica. Atualmente, é o país com maior capacidade instalada de energia eólica do mundo, e possivelmente ultrapassará a meta de instalar 70 GW nos próximos cinco anos (quase o total da energia gasta no Brasil!).

Em boa medida trata-se de vontade política dos governos para apoiar essas iniciativas. Existem matérias-primas renováveis e disponíveis na região, como o bagaço de cana-de-açúcar, a casca de arroz ou o biogás a partir de resíduos vegetais rurais e urbanos.

Como diz o pastor Renato da IECLB, o que será da cultura dos gaúchos, sem a existência futura do rio Uruguai? Vamos querer do rio Uruguai uma escada de alagados com água parada (para não dizer podre), sem vida, para algumas empresas estrangeiras tirarem daqui milhões às nossas custas?

Só para citar um exemplo, o peixe dourado (peixe que identifica o nosso rio) para se reproduzir e conseqüentemente sobreviver, necessita cerca de 100 km de água corrente. O que será do Rio Uruguai sem seu principal peixe? Em outras palavras, queremos decretar a morte do rio Uruguai? Vamos defender nosso rio e aqueles que viveram para cantar suas belezas e sua história na região. No norte do estado, o rio Uruguai se confunde com a história dos missioneiros e do Caminho das Tropas, no rio Pelotas. É uma bela paisagem que está lá há milhares de anos!

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