sexta-feira, 13 de abril de 2012

Coinscidências desagradáveis


Em 13 de outubro de 1982 as comportas da recém criada Usina Hidrelétrica de Itaipu foram fechadas inundando as quedas d’água. Para se ter uma ideia de sua grandeza basta compararmos a taxa média de fluxo anual dela com as Cataratas do Niágara (a maior em volume de água atualmente), a Sete Quedas tinha um fluxo de 13.300 m³/s enquanto as Cataratas do Niágara tem hoje 2.407 m³/s. Ela se localizava na fronteira entre o Brasil e o Paraguai fazia parte do Rio Paraná, hoje ela esta localizada no fundo do lago artificial de Itaipu. Qualquer semelhança com o Salto do Yucumã não é coinscidência.


“Sete quedas por mim passaram, e todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele a memória dos índios, pulverizada, já não desperta o mínimo arrepio. Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes, aos apagados fogos de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se os sete fantasmas das águas assassinadas por mão do homem, dono do planeta. Aqui outrora retumbaram vozes da natureza imaginosa, fértil em teatrais encenações de sonhos aos homens ofertadas sem contrato.
Uma beleza-em-si, fantástico desenho corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno mostrava-se, despia-se, doava-se em livre coito à humana vista extasiada. Toda a arquitetura, toda a engenharia de remotos egípcios e assírios em vão ousaria criar tal monumento.
E desfaz-se por ingrata intervenção de tecnocratas. Aqui sete visões, sete esculturas de líquido perfil dissolvem-se entre cálculos computadorizados de um país que vai deixando de ser humano para tornar-se empresa gélida, mais nada.
Faz-se do movimento uma represa, da agitação faz-se um silêncio empresarial, de hidrelétrico projeto. Vamos oferecer todo o conforto que luz e força tarifadas geram à custa de outro bem que não tem preço nem resgate, empobrecendo a vida na feroz ilusão de enriquecê-la.
Sete boiadas de água, sete touros brancos, de bilhões de touros brancos integrados, afundam-se em lagoa, e no vazio que forma alguma ocupará, que resta senão da natureza a dor sem gesto, a calada censura e a maldição que o tempo irá trazendo?
Vinde povos estranhos, vinde irmãos brasileiros de todos os semblantes, vinde ver e guardar não mais a obra de arte natural hoje cartão-postal a cores, melancólico, mas seu espectro ainda rorejante de irisadas pérolas de espuma e raiva, passando, circunvoando, entre pontes pênseis destruídas e o inútil pranto das coisas, sem acordar nenhum remorso, nenhuma culpa ardente e confessada.

(“Assumimos a responsabilidade! Estamos construindo o Brasil grande!”)
E patati patati patatá… Sete quedas por nós passaram, e não soubemos, ah, não soubemos amá-las, e todas sete foram mortas, e todas sete somem no ar, sete fantasmas, sete crimes dos vivos golpeando a vida que nunca mais renascerá.” 
Carlos Drummond de Andrade 

Um comentário:

  1. O que posso dizer? Eu vi 7 quedas um ano antes de desaparecer. Toda a beleza, dizem é efêmera, eterna apenas na lembrança. Será esse o preço do desenvolvimento? Que desenvolvimento? Esse feito a furia consumista nossa de todos os dias? Daquilo que é incultado em nós como necessidade sem a qual não temos como viver, embora tenhamos vivido milhares de anos sem o que hoje parece a essência das nossas vidas? Ah! Sete Quedas, ontem. Yucumã logo em seguida. Quando será a vez de Iguaçu? E Monte Belo? E outras tantas que ainda virao alterando a fisionomia de uma regiao, afetando o planeta...

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